Ilustração: Theo Szczepanski
O campo de batalha é reduzido. Os movimentos devem ser calculados e precisos. Um simples deslize e algo se espatifa no azulejo. É necessário preservar a maquiagem. A vaidade feminina requer estratégias delicadas. Jogo-o para cima. É leve e sorridente. Sinto os ossos da costela em meus dedos. De cabeça para baixo ou nas costas? Ele pensa e escolhe os malabarismos que inventamos para nos proteger do mundo. Nossa couraça é frágil e indestrutível — ambiguidade que nos salva. O odor úmido de seus pés preenchem minhas mãos. Apoio suas costas contra minha barriga. Os fios de cabelo espetam o ar em direção ao piso de cerâmica. Estamos na sala. A distância até o banheiro é curta, mas a viagem é longuíssima quando se carrega o filho de quase quatro anos de cabeça para baixo para escovar os dentes. O tempo passa de maneira diferente quando estamos com os filhos.
— Esta não, papai. A do ursinho. Esta é ardida.
— Eu escovo, papai.
— Já sou um homem grande.
Ouço estático o breve monólogo. Coloco uma pequena quantidade de pasta na escova do Homem-aranha e a alcanço. Ele abre a boca. Há muitos dentes lá dentro. Todos de leite. A irmã mais velha já exibe janelinhas. A casa ganha nova mobília. A boca está abandonando parte da infância. É uma alegria quando um dente salta da gengiva. Ela sorri e aponta com o dedo. Debaixo do travesseiro, a fada deixará notas de dinheiro. A Fada do Dente não existe. É a mãe. Todos sabemos. Mentir, às vezes, é bem divertido. Outras, bem trágico.
— Agora, é a minha vez.
Contrariado, ele me entrega o Homem-Aranha de cerdas macias e me encara. Abre a boca e espera que eu termine o quanto antes a escovação. Passo a escova com cuidado. Concentro mais atenção nos dentes do fundo — nos molares. Vasculho a boca do meu filho. Digo-lhe que precisamos exterminar todos os alienígenas que tentam invadir seu corpo. Ele balança a cabeça. Confia em mim. Travamos mais uma batalha contra extraterrestres — seres obstinados, que devem ser eliminados pelo menos três vezes ao dia. Meu filho acredita nas minhas histórias. Jura que em cima da geladeira existe um jacaré, que seus músculos são de aço, que seu pai já conversou com o Ben 10. E outras tantas inofensivas ficções.
A cada movimento da escova o corpo se contrai. Não gosta de escovar os dentes. Mas sempre concorda após uma viagem de cabeça para baixo. O espelho reflete dois corpos magricelos — pai e filho. Ele está de pé sobre a pia. Somos quase do mesmo tamanho. E teremos sempre a mesma idade.
— A língua, papai.
Escovo a língua com delicadeza. Ele faz careta. Construo uma conchinha com a mão direita. Ele bochecha a água que lhe entrego da improvisada bica. Três bochechos. Sempre três bochechos. Seco seu rosto. Ele sorri e me abraça pelo pescoço. Antes de iniciarmos a viagem de volta de cabeça para baixo, pergunta:
— Depois do dente de leite, vem dente de que sabor, papai?